“Vai segura, minha alma, tens bom guia para a caminhada. Quem
te criou, ele mesmo te santificou e te amou mais do que uma mãe ama a seu
filhinho. Bendito, Senhor, por me haverdes criado”.
História de Clara, nossa história, nosso desejo de não sermos
embalados apenas pela rotina de uma vida cristã muito certinha. Desejo de ir mar a
dentro. Tudo, sem reservas. Corpo, coração, desejos, forças, trabalho,
aspirações mais fundas. Desenhou-se diante das clarissas de ontem e de sempre
um estilo de vida centrado na busca de Cristo pobre e vivo, numa vida de louvor
como lâmpadas acesas, junto com mulheres, companheiras e irmãs, despojadas e
fáceis de convivência, porque também buscam responder ao apelo que vem do
Mistério e todas sustentando os membros frágeis da Igreja. Clara vai para São
Damião. Sozinha. Só depois chegam as irmãs. Nas mãos de Deus… sempre nas mãos
de Deus. Clara foi para o deserto ou para o Monte Moriah. Uma vida de confiança
na incerteza.
Clara viveu a aventura de Deus. Saiu de casa sem o mapa
do caminho. Não haveremos de esquecer nosso ponto de partida. Não somos
donos de nós mesmos. Precisamos ter a coragem de deixar que o Senhor nos
mostre as veredas. Que ele possa fazer uma obra de arte nas clarissas. Será que
não deveríamos nos abrir ao novo de Deus? As coisas não estão acabadas.
Michel Hubaut, franciscano diz sobre Clara: “Há os que
aspiram a algo diferente sem saber exatamente o que. Em seu coração arde um
desejo confuso de felicidade, de fraternidade, de unidade interior, um sentido
a dar à sua vida. Monges e monjas são vigias do Invisível, testemunhas de Deus,
capazes de satisfazer os desejos mais profundos do homem. Sua vida questiona
o desejo de plenitude escondido em muitos”. “O melhor livro sobre Santa
Clara é aquele que é lido pelas suas irmãs em nossos dias. Quantas vezes,
visitando seus mosteiros tive a agradável surpresa de sentir o perfume de uma
vida, entrevera sombra de uma presença e escutar o murmúrio de uma fonte” ( Do livro Sainte
Claire d’Assise, Claire-Pascale Jeannet, Fayard, 1989).
Clara
é essencialmente uma grande contemplativa, toda a sua vida
consistiu em amar absolutamente, em viver face a face com o Absoluto para ir se
conformando com ele cada vez mais. Para Clara, a oração é como um
relacionamento pessoal e esponsal, como a respiração da alma, é querer realizar
o que lhe pede o Amor, o Esposo do alto da Cruz. Ela não escreveu textos
complicados e complexos sobre a contemplação e eventuais graus da mística como
castelos e moradas interiores. Em suas cartas a Inês, captamos um pouco do que
se passava em seu interior.
O coração de Clara nunca se saciava.
Tanto na saúde quanto na doença entregava-se à oração. A Bula de Canonização
lembra que ela consagrava à oração a maior parte do dia e da noite. Servia-se
do vocabulário bíblico para descrever a união com Cristo, seu amor esponsal.
“Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor de teus bálsamos, ó esposo celeste.
Vou correr sem desfalecer, até me introduzires em tua adega, até que a tua
direita me abrace toda feliz e me dês o beijo mais feliz de tua boca” (4ª.
Carta a Inês).
Hoje como ontem, a finalidade essencial da vida das clarissas permanece sendo a busca amorosa daquele que as convidou ao deserto para seduzi-las. Sua primeira preocupação é de permanecerem atentas aos apelos do Espírito, de seguir o caminho de Cristo e de viver sob o olhar do Pai. Testemunho de uma Clarissa num livro sobre Clara: “A oração é o coração de nossa vida, sua respiração, seu ritmo, seu clima, nosso estado e, de uma certa forma, nossa profissão”. “Adorar é simplesmente abrir as mãos, abrir o coração: deixar correr a água da graça, água vivificante do Espírito. Rezar é antes de tudo deixar-se impregnar, invadir por Deus, por Deus que quer se entreter conosco, na brisa da tarde, como um amigo com seu amigo, simplesmente pela alegria de amá-lo”. Quem sabe as pessoas, em contato com as irmãos de nossos mosteiros, tenham vontade de habitar seu interior e não gastar seus sonhos mais profundos naquilo que satisfaz de verdade.
Pobreza
e alegria – Pobreza, tema que pode nos parecer gasto. Já
ouvimos falar tanto dele e da pobreza de Clara, do privilégio da pobreza.
Pobreza é experimentar a alegria de ter como tesouro único o Deus que nos
sustenta com o pão, mata a sede de nossas gargantas, nos dá irmãos, nos eleva e
releva depois da faltas. Ele é riqueza de nossa vida. Não contamos com nossos
meios. “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores.
Fazemos o melhor possível. Mas tudo é presente do grande Doador. Há a pobreza
das vestes e dos sapatos, mas antes a simplicidade de coração e a capacidade de
sairmos do centro da passarela. Pobres, mas alegres e ricos por dentro.
Clara liberta-se de tudo. Nenhum tipo de apego poderá toldar de nuvens escuras
sua alegria interior. Ela não canoniza a miséria, mas veste-se da singeleza
de Cristo que sendo de condição divina não hesitou em lavar os pés e dar a vida
dos seus.
Num mundo para o qual alegria é torpor, ruído, bebida
e o delírio de drogas, num mundo marcado por um consumismo devorador, num mundo
de insatisfação e vazio, mundo em que o fundo dos olhos revelam desencanto, Clara
brilha como mulher alegre em seu despojamento. O que encanta nos mosteiros
das clarissas é a beleza na simplicidade das coisas e a leveza das irmãs. Não
carregam bagagens pesadas, mas bolsas leves.
A história de Clara, juntamente com a de Francisco, é um
convite a meditar sobre o sentido da existência e procurar em Deus o segredo da
alegria verdadeira. É uma prova concreta
que quantos cumprem a vontade do Senhor e confiam nele não só nada perdem, mas
encontram o verdadeiro tesouro capaz de dar sentido a tudo (Bento XVI, Carta ao Bispo
de Assis-Nocera Umbra – Gauldo Tadino por ocasião do Ano Clariano, 2012).
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