A DILIGÊNCIA é o antídoto específico da preguiça. Onde a preguiça cava um abismo, a
diligência ergue uma montanha. E o que é a diligência?
Georges Chevrot, no seu livro sobre “As pequenas virtudes do lar”, reproduz, com
muito bom humor, o seguinte diálogo. Um garoto, ouvindo falar em diligência,
mostra logo com um brilho nos olhos a sua sabedoria histórico-cinematográfica: – “A
diligência – diz – era uma carruagem puxada por cavalos, que se usava no faroeste
antes de haver automóveis...
– “Muito bem, meu rapaz, você sabe muito – retruca o pai –; também deve saber que
lhes foi dado esse nome porque iam muito depressa. Para a época, evidentemente”11.
Os pais quase sempre têm razão. Mas, neste caso, o pai da história, ao aprofundar na
explicação, deu uma pequena escorregadela.
Pode ser que, àqueles trambolhos rolantes, acostumados a fugir dos índios nos
desertos do Arizona, tivessem dado o nome de diligência em homenagem à sua
rapidez. Mas o que é certo é que a palavra diligência, na sua origem, nada tem a ver
compressa ou velocidade.
Na realidade, diligência é uma palavra que vem diretamente do verbo latino diligere,
que significa amar. De modo que, na língua-mãe do Lácio, diligens (diligente)
significava aquele que ama.
Isto é da maior importância para o tema que nos ocupa. Dizíamos que a acédia – a
preguiça – é o contrário do amor, pelo fato de sentir aversão e tristeza por aquilo
mesmo que atrai e alegra o amor: o bem, mesmo que seja árduo e difícil.
Em confronto com a preguiça, a virtude da diligência consiste no carinho, alegria e
prontidão (coisa diferente da pressa) com que pensamos no bem e nos prontificamos
a realizá-lo da melhor maneira possível.
Poucas descrições da diligência existem, mais ricas de conteúdo, do que a contida
numa das homilias de Mons. Escrivã, que transcrevemos a seguir:
“Quem é laborioso aproveita o tempo (...). Faz o que deve e está no que faz, não por
rotina nem para ocupar as horas, mas como fruto de uma reflexão atenta e ponderada.
Por isso é diligente. O uso normal dessa palavra – diligente – já nos evoca a sua
origem latina. Diligente vem do verbo diligo, que significa amar, apreciar, escolher
alguma coisa depois de uma atenção esmerada e cuidadosa. Não é diligente quem se
precipita, mas quem trabalha com amor, primorosamente”.
Se quiséssemos retratar o anti-preguiçoso típico, é bem provável que imaginássemos
a figura de um personagem acelerado e febril, um incansável trabalhador impelido
por uma sorte de movimento contínuo. E, no entanto, não é assim. É mais fácil
encontrar agitados entre os preguiçosos que entre os diligentes. Paradoxalmente, a
diligência está – num certo sentido – mais perto do “devagar”, e a preguiça mais
perto do “depressa”. Mas esse “certo sentido” precisa de uma explicação.
Reparemos que as palavras de Mons. Escrivã, acima citadas, esclarecem que uma
pessoa é diligente quando aproveita o tempo “como fruto de uma reflexão atenta e
ponderada”; recordam, ao mesmo tempo, que só há amor – diligência – quando se
sabe “apreciar, escolher alguma coisa depois de uma atenção esmerada e cuidadosa",
e concluem alertando: "Não é diligente quem se precipita”.
Muitas pessoas oferecem a imagem de um ativismo desenfreado. Não param um
instante. Vão de cá para lá, assoberbados de tarefas, numa incessante corrida atrás do
tempo, que sempre se lhes torna escasso. As ocupações os envolvem como que num
redemoinho. lá não são donos de si mesmos. A sua atividade – ativismo, deveria
chamar-se – domina-os como um cavalo sem freio, do qual perderam completamente
as rédeas.
Lembram a história daquele oficial de artilharia, inexperiente nas lidas da equitação,
que certa vez quis fazer uma experiência: pediu um cavalo, acomodou-se como pôde
na sela e olhou na direção noroeste, para a localidade aonde desejava dirigir-se. Meia
hora depois, no mais perfeito rumo sudeste, um grupo de oficiais observa o trotezinho
desajeitado do cavalo e o olhar espavorido do colega que se lhe agarra ao pescoço, e
indagam com ar brincalhão: – “Para onde é que você está indo?” – “Eu – responde o
atribulado cavaleiro – ia para tal lugar, mas não sei para onde é que este cavalo me
está levando...”
Muitos cavaleiros da agitação poderiam dizer a mesma coisa. Donas de casa que
parecem uma Maria-fumaça sem breque, descendo descontroladas a ladeira do dia,
sacolejadas por tarefas, saídas, telefonemas, problemas de escola, pagamentos, etc.,
literalmente arrastadas para o abismo de um permanente nervosismo e uma canseira
atordoada. Ou profissionais tensos, em constante disparada, sem tempo para pensar,
cuja alma de robô faz deles, mais do que trabalhadores, devoradores de tempo,
autênticos “cronófagos”.
Homens e mulheres desse estilo não são diligentes. São apenas agitados. Não
percebem que, por trás do seu vaivém descontrolado e fatigante, estão sendo atacados
por uma forma perniciosa de preguiça: a preguiça espiritual, a preguiça mental.
“O nosso século – escreve Jacques Leclercq – orgulha-se de ser o da vida intensa, e
essa vida intensa não é senão uma vida agitada, porque o sinal do nosso século é a
corrida, e as mais belas descobertas de que se orgulha não são as descobertas da
sabedoria, mas da velocidade. E a nossa vida só é propriamente humana se nela há
calma, vagar, sem que isto signifique que deva ser ociosa (...). Acumular corridas e
mais corridas não é acumular montanhas, mas ventos”.
Texto extraído do livro "A preguiça", de Francisco Faus.
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