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Por que precisamos do Espírito Santo?



A economia da salvação. — A Tradição Católica ensina claramente que nosso único Deus é, ao mesmo tempo, distinto em três Pessoas igualmente divinas: Pai, e Filho, e Espírito Santo. Esse mesmo Deus, uno e trino, quer a nossa salvação e, para isso, deve nos introduzir na sua própria natureza divina, por meio de uma adoção filial. Ou seja, Ele quer fazer de nós seus filhos, mesmo sendo o homem uma pobre criatura, que ademais caiu na escravidão do pecado.

Para cumprir esse desígnio, o Pai, que habita em luz inacessível, enviou o seu Filho eterno, que veio a este mundo, tornando-se Filho do Homem (filho da Virgem Maria, dizendo com mais propriedade). E com essa carne Ele sofreu a sua Paixão, Morte e Ressurreição, em vista da redenção de todos. A partir do mistério da Cruz, portanto, nós, homens, temos acesso aos méritos da Redenção e podemos, enfim, receber a graça da libertação do pecado e da adoção como “filhos de Deus”.

Objetivamente, Jesus Cristo nos salvou, dando-nos o remédio de uma doença que antes parecia incurável. Mas esse remédio, ou seja, aquilo que Jesus alcançou na Cruz, precisa ser aplicado à alma para que surta efeito, de modo que a redenção objetiva de Jesus, como dizem os teólogos, deve ser acolhida pessoalmente, no íntimo de nossas almas, como redenção subjetiva. Ao contrário, se não houver essa acolhida, se o paciente não tomar o remédio, se nós não acolhermos os méritos da Paixão de Cristo como dom para nossa salvação, então pereceremos todos do mesmo modo (cf. Lc 13, 3).

Para aplicar esse remédio na alma, nós precisamos do Espírito Santo. Sem Ele, podemos nos considerar perdidos, pois necessitamos que nossa inteligência e vontade sejam movidas em direção a Deus.

O papel do Espírito Santo e os sacramentos. — Nas Sagradas Páginas, vemos que o Espírito Santo é enviado a todas as pessoas, a fim de movê-las para Deus. Todos os seres humanos, mesmo o mais pecador, recebem a visita do Paráclito, que procede do Pai e do Filho. E, por meio dessa visita, isto é., os toques da graça, Deus nos convida à conversão.

Se a alma acolhe o chamado divino, fugindo das distrações do mundo, recebe desde já um “toque” do Espírito Santo, que a coloca num estado de busca de Deus. A pessoa ainda não batizada busca, assim, saciar sua sede em diferentes lugares: num livro, numa pregação, num filme religioso etc. Mais tarde, ela toma a decisão de mudar, procura ser católica e, finalmente, pede o Batismo. E se já for batizada, mas estiver em estado de pecado mortal, pede a Confissão. E por meio desses sacramentos, o Espírito Santo realiza uma mudança nessa alma, dando-lhe a graça santificante, um organismo espiritual, um verdadeiro estado de amizade com Deus, e esse mesmo Espírito passa a habitá-la, plantando ali um “germe da vida eterna”, a própria vida divina (Cf. 2 Pe 1, 4).

Aqui devemos insistir que os sacramentos, todos eles, não são coisas dispensáveis, mas instrumentos eficazes da ação do Espírito Santo. Portanto, sem os sacramentos instituídos por Cristo, os quais se encontram perfeita e plenamente na Igreja Católica, é impossível ter uma vida cristã autêntica, razão pela qual a alma dos não católicos encontra-se em situação muito grave.

O progresso da graça santificante. — Os sete sacramentos são, sim, um instrumento do Cristo Ressuscitado para nos conceder o Espírito Santo e nos assegurar a graça santificante. Essa graça nada mais é que a “semente” ou “germe da vida eterna”, que precisa ser cultivada a fim de dar muitos frutos.

Como uma criança que cultiva uma pequena semente de feijão, colocando-a num algodão e cercando-a de todos os cuidados, nós precisamos zelar pelo nosso estado de graça, cujo valor está acima de todos os bens do universo (cf. STh I-II 113, 9 ad 2). Se a criança cuida bem de seu feijãozinho, logo ele cresce e pode ser plantado no jardim para gerar muitas vagens. Do mesmo modo, o organismo espiritual necessita de meios adequados para crescer e produzir frutos de vida eterna.

Acontece, de fato, que a graça santificante não progride em muitos corações. E a razão para isso é a falta de seu cultivo; a graça fica como que estagnada, esquecida como uma semente de feijão no saco da despensa. Desse modo, ela nunca poderá crescer pois lhe faltam terreno fértil, luz do sol e adubo adequado. Dito de outro modo, a graça santificante precisa de uma vida de oração, uma vida de intimidade com o Espírito Santo, afora a recepção devota e bem disposta dos sacramentos.

A forma comum de o Espírito Santo agir numa alma, para além dos sacramentos, é a oração humilde. Ele se aproxima de quantos se colocam com o coração pobre e pedem a sua intervenção. Essas almas precisam suplicar a vinda do Pai dos pobres (pater pauperum) e confessar-lhe a própria indigência. E ainda que elas se dirijam às outras Pessoas da Trindade, à Virgem Maria ou a algum santo de devoção, o Espírito Santo não as desprezará se, contudo, fizerem uma oração sincera e humilde.

Ora, se um ateu fizer uma oração sincera, suplicando a intervenção de Jesus, mesmo que esse incrédulo não tenha certeza da existência de Deus, o Espírito Santo escutará a sua prece. Porque, na verdade, não seria por força própria, mas sim por aquela do Espírito Santo que a oração seria sincera e sairia do coração como um grito, de modo que poderíamos dizer que já não é a pessoa quem está rezando, mas o próprio Espírito Santo que diz: Abba, Pai.

Toda alma que clama por Deus, clama no Espírito Santo, mesmo não sabendo da sua existência. Porque, de fato, como canta a sequência para a solenidade de Pentecostes, sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele. Quando, portanto, pedimos ajuda aos céus, esse nosso pedido não é um clamor solitário. Ao contrário, tendo o Espírito Santo nos incitado à prece, acompanha-nos inspirando o que pedir e como pedir.

A vida de oração. — Sem dúvida, a oração é um excelente meio de nos relacionarmos com o Espírito Santo e, por isso mesmo, progredirmos na santidade. Devemos, pois, rezar e rezar muito.

É fato, porém, que muitas almas têm dificuldade de se concentrar e ouvir a voz de Deus. São como crianças que se dispersam por qualquer coisa. Nesse caso, essas almas precisam ser humildes e seguir a pedagogia da boa mãe, que sabe acalmar os filhos agitados, dando-lhes os seus brinquedos e, ao mesmo tempo, educando-os na verdade. Enquanto as crianças pintam os seus desenhos, dirigem os seus carrinhos ou cuidam de suas bonecas, a mãe lhes diz a lição. Mas se essa mãe agir com rudeza, separando os filhos dos seus “companheiros de diversão”, ela só conseguirá deixá-los mais agitados e dispersos.

Na vida de oração, mutatis mutandis, a pessoa pode precisar de alguns “brinquedos” para se concentrar, pois algumas almas são tão agitadas que, diante do Santíssimo na capela, ou elas se agitam mais ou simplesmente paralisam, ficam em stand by, sem se darem conta do Deus que está presente ali. E mesmo se essas almas forem disciplinadas, por exemplo, e passarem um ano “rezando” desse modo, elas não colherão fruto algum e o diabo não deixará de incutir nelas um desprezo pela intimidade com Deus.

A oração, no entanto, como ensina Santa Teresa, é um trato de amizade com quem você sabe que o ama. Rezar é falar com Deus. E para realizar este trato íntimo de diálogo com Deus, pode-se recorrer a esses “brinquedos”: pode ser durante o trânsito; pode ser numa caminhada; pode ser escrevendo uma carta para Deus, desde que tudo isso seja feito como diálogo sincero, como um colóquio entre amigos. No início da vida de oração, aliás, a alma é mesmo como uma criança e precisa de estímulos para se recolher. Por isso, a melhor maneira de rezar nesse estágio é aquela em que a pessoa consegue ter uma conversa com Deus, seja onde for: andando, dirigindo ou lavando a louça.

Um recurso eficaz para quem gosta de fazer suas orações na capela e, no entanto, sente-se muito agitado, é o caderno espiritual. Com essas folhas, a pessoa poderá escrever sua carta para Deus, expressando-se ali com toda segurança e simplicidade.

Enfim, se essas almas forem constantes, mesmo que sua oração seja de apenas 15 minutos, elas certamente colherão, na vida cotidiana, os frutos do Espírito Santo, porque, de verdade, é no dia a dia que os bens de Deus se revelam: é a maior paciência diante de uma contrariedade; é a resistência diante de um desejo impuro; é o cumprimento de uma tarefa difícil etc. Todas essas pequenas mudanças, que acontecem lentamente, surgem a partir da perseverança na oração.

“Veni, Sancte Spiritus”. — Mais uma vez queremos insistir: o progresso na santidade depende necessariamente do nosso abandono ao Paráclito. Precisamos do Espírito Santo para que a semente da graça santificante gere, em nós, frutos de vida eterna. Por isso nós lhe chamamos, no Credo de Niceia e Constantinopla, “Dominum et vivificantem”: Dominum, porque é Senhor, e vivificantem, porque nos enche da Vida (do grego ζωη ou zoé).

Tal geração pode ser muito rápida, como em São Paulo Apóstolo e São Francisco de Assis, mas, na maior parte dos casos, acontece lentamente, passo por passo, como o crescimento de uma planta. Requerem-se, portanto, paciência, perseverança e, sobretudo, abandono ao Espírito Santo, e, aos poucos, Ele mesmo fará brotar os novos ramos e as folhas até, finalmente, aparecerem os frutos. Ou seja, Ele nos concederá o “dom da graça”. O Espírito Santo produzirá em nós o acolhimento pessoal (redenção subjetiva) dos méritos obtidos por Cristo na Cruz para a salvação universal dos homens (redenção objetiva).

Para facilitar esse relacionamento com o Espírito Santo, a Igreja nos oferece, nestes dias, a novena de Pentecostes. Trata-se de pedir incessantemente com todos os santos e anjos: Veni, Sancte Spiritus, nessa oração da sequência de Pentecostes, que o “gênio do cristianismo” adaptou belissimamente ao canto gregoriano (existe também uma versão em vernáculo para o Brasil). Recomendamos a todos a récita dessa oração, que se encontra disponível no Lecionário.

Na primeira estrofe, diz-se assim: Veni, Sancte Spiritus, et emitte caelitus lucis tuae radium, isto é, “Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz”. É apenas por meio da luz de Deus que enxergamos o mundo com visão sobrenatural. Como sugere a sequência nas sétima e oitava estrofes, aqueles que vivem na carne olham para esta vida e veem tudo sujo (sordidum), seco (aridum), ferido e doente (saucium). Para quem vive na carne, tudo é difícil (rigidum), de modo que o coração permanece frio (frigidum) e os caminhos, desviados (devium) de Deus.

Somente o Espírito Santo pode transformar essa visão. A sequência, por isso, pede assim: Lava quod est sordidum (ao sujo lavai) / riga quod est aridum (ao seco regai) / sana quod est saucium (curai o doente). O interessante desses três versos é que, ordenadamente, eles passam do ser menos animado ao mais animado, do mineral, passando pelo vegetal, ao animal: lava, por exemplo, a pedra suja, rega a planta seca, cura o animal ferido.

Na oitava estrofe, o Espírito é chamado de ferreiro, que vai atiçar o fogo para transformar a dureza do ferro. No fogo do amor de Deus, aquele material “rígido” torna-se “flexível” (flecte quod est rigidum); a sua “frieza” é “aquecida” (fove quod est frigidum) e, finalmente, o seu “desvio” é “endireitado” (rege quod est devium).

É fato bem concreto que, sem a luz sobrenatural da graça, enxergamos apenas sujeira, aridez e doença, e por elas somos movidos. E isso é perceptível mesmo entre as pessoas ditas “de Igreja”. Elas vivem ainda na carne e, por isso, veem apenas os membros miseráveis do santo Corpo de Cristo; vão à missa por moralismo, pelas sensações que irão sentir com algum canto, sermão ou rito, pela teologia da prosperidade ou pela possibilidade de conseguir algum relacionamento amoroso. Mas não são movidas pelo Espírito Santo.

Sem o Espírito Santo, nós iniciamos uma boa obra mas não a levamos à perfeição, de modo que nossa participação na Igreja se torna cada vez mais indiferente, fria e árida. E a própria Igreja se torna, para nós, um ambiente “sujo”, “rígido”, “torto” e “doente”, ainda que estejamos num mosteiro beneditino, na cartuxa ou na melhor paróquia do mundo.

A finalidade de tudo quanto dissemos até agora é, ao fim e ao cabo, libertar-nos, por meio do Espírito Santo, dessa visão tortuosa e carnal, a fim de que Ele aplique em nós a salvação de Jesus, mais especificamente, o salutis exitum, isto é, o êxito final da alegria eterna (perenne gaudium). No caminhar de nossa vida, o Espírito Santo deve nos dar as virtudes (virtutis meritum), com as quais iremos crescendo na santidade até chegarmos a nossa meta (salutis exitum), à perfeição final. Porque apenas desse modo seremos objetos concretos da redenção de Cristo, teremos a redenção subjetiva perfeitamente realizada em nossas almas.

Portanto, comecemos imediatamente a suplicar a presença do Espírito Santo, repetindo o exemplo dos Apóstolos e da Virgem Maria, que rezaram com perseverança durante nove dias, até a chegada do Senhor. A novena de Pentecostes é um microcosmos de como deve ser a nossa vida inteira. Com o auxílio de nossa Mãe Santíssima, aprenderemos a viver na intimidade do Espírito, o socorro do Céu. Ela, a Virgem Maria, os santos e os anjos bem podem se unir a nossa oração da sequência e dizer conosco: Veni, Sancte Spiritus, et emitte caelitus lucis tuae radium!

E o “Pai dos pobres” (pater pauperum), “doador dos dons” (dator munerum), e “luz dos corações” (lumen cordium) virá logo em nosso auxílio, porque Ele é o “consolo que acalma” (consolator optime), o “hóspede da alma” (hospes animae), o nosso “doce alívio” (dulce refrigerium).

Sim, Luz beatíssima, enche os corações dos teus fiéis (O lux beatissima, reple cordis intima tuorum fidelium).

 Fonte: Pe. Paulo Ricardo


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