O mês de agosto é tradicionalmente dedicado às vocações. Por isso, podemos aproveitar essa ocasião para refletirmos sobre a crise vocacional de nossa época. No passado, um jovenzinho já sabia, mais ou menos, o que deveria ser na vida adulta. Desde muito cedo os jovens eram preparados para serem pais de famílias, homens íntegros e honrados. Hoje, porém, vemos uma quantidade imensa de “adultos adolescentes”, que não assumiram as suas responsabilidades e, com 40 anos de idade, ainda vivem com os pais.
Essa situação se deve, entre
outras coisas, a uma má compreensão do sentido da vida. Trata-se de um mal
geracional. Os jovens não conseguem mais fazer escolhas definitivas porque não
querem se sacrificar. Notem a abordagem dos chamados testes vocacionais: tudo
gira em torno do bem-estar do sujeito. O psicólogo faz uma avaliação das
aptidões da pessoa e indica-lhe uma profissão que esteja de acordo com as suas
capacidades. Mas essa avaliação não diz respeito à vocação da pessoa, não fala
de um chamado. O seu conteúdo é, no fim das contas, puramente autorreferencial,
um teste de talento e nada mais.
Vocação, por outro lado, trata
de relação. Se existe um chamado, significa que existe alguém que chama. O
sentido está para além da pessoa e implica uma saída de si mesmo para
corresponder à voz do outro. Em linhas gerais, descobrir a
própria vocação significa descobrir como você vai doar a sua vida pelos outros,
pelo chamado que você recebe. E essa é a grande dificuldade do homem moderno,
que não deseja se sacrificar por ninguém. O homem moderno deseja apenas a
própria satisfação. E, por essa razão, termina sempre frustrado, porque nunca
encontra o sentido de sua vida.
Há 60 anos, quando as pessoas
ainda eram cristãs, havia um sentido social de doação e entrega por amor ao
próximo. Os homens eram pais e as mulheres eram mães, e ambos se doavam pela
salvação dos filhos. Mas tudo isso acabou, e o motor cristão que movia os
corações foi desligado. Agora as pessoas querem ser felizes sem, no entanto,
precisarem sofrer alguma renúncia ou privação.
Uma vocação é, antes de tudo,
uma convocação divina para a saída de si mesmo. Portanto, toda vocação é sempre
uma conversão: sair do egoísmo e ir doar a própria vida, segundo a voz dAquele
que chama, como no caso da vocação de Abraão. Deus o chama para fora de sua
terra natal (cf. Gn 12, 1). Do mesmo modo, o Senhor fala ao nosso coração e nos
pede uma saída. Ele deseja o abandono de nossas terras pela escuta da Palavra.
Ele quer nos libertar dos apegos mundanos para que O sirvamos de todo coração.
É claro que esse êxodo
vocacional tem um custo. O pecado original tornou tudo mais difícil para o ser
humano, de modo que a imagem de Deus ficou obscurecida. Para ouvir a voz do
criador, o homem precisa agora de um esforço redobrado, como também de uma luta
intensa contra a concupiscência dos olhos, a concupiscência da carne e a
soberba da vida (cf. 1Jo 2, 16-17).
Essa luta é necessária porque
o ser humano pode ignorar o chamado de Deus. Nossos olhos podem enxergá-lO como
um inimigo, uma ameaça que deve ser combatida pelos nossos sentidos e
faculdades, e, sobretudo, quando estamos apegados a alguma coisa terrena. Por
isso, precisamos das penitências e outras práticas de mortificação, a fim de
nos livrarmos das prisões mundanas, que impedem nosso progresso para Deus. A
vocação tem um sentido de obediência, de realização da vontade de outro em
lugar da própria. E essa renúncia das próprias vontades precisa estar presente
em todo tipo de vocação, seja sacerdotal, religiosa ou laical.
A fidelidade à própria vocação
depende ainda da virtude da fé e da fortaleza. No
alto da Basílica de Montecassino (Itália), onde se encontram as relíquias de
São Bento e Santa Escolástica, encontra-se a chamada imagem da obediência, cujo
desenho é o de uma mulher com uma concha no ouvido, inclinada para escutar a
palavra do mestre. Essa é a obediência da fé, a coragem de inclinar-se para
escutar profundamente a voz do Senhor.
A fé serve para iluminar a
nossa escuridão. Ela vai, aos poucos, iluminando a nossa caminhada, a fim de
que vejamos claramente o caminho de Deus. Desse modo, superamos os nossos
sentimentos enganadores, manifestando nossa adesão à vontade de Deus. O caminho
vocacional é o caminho da obediência da fé. É nesta obediência que podemos
encontrar a verdadeira liberdade, porque nos livramos das correntes do vício para
chegarmos ao Céu. Escutemos, pois, a voz dAquele que realmente nos ama e se
doou por nós para que, um dia, estejamos com Ele na vida eterna!
Comentários