Pular para o conteúdo principal

A transformação de Francisco começou num despertar

 


Toda transformação começa por um despertar. Cai a ilusão e fica a desilusão, desvanece-se o engano e sobra o desengano. Sim, todo despertar é um desengano, desde as verdades fundamentais do Príncipe Sakkiamuni (Buda) até as convicções do Eclesiastes. Mas o desengano pode ser a primeira pedra de um mundo novo. Se analisarmos as origens dos grandes santos, se observarmos as transformações espirituais que ocorrem ao nosso redor, descobriremos em tudo uma espécie de passo prévio, um despertar: o ser humano convence-se de que toda a realidade é efêmera ou impermanente, de que nada possui solidez, a não ser Deus..

Em toda adesão a Deus, quando é plena, esconde-se uma busca inconsciente de transcendência e de eternidade. Em toda saída decisiva para o Infinito, palpita um desejo de libertar-se da opressão de toda limitação e, assim, a conversão transforma-se na suprema libertação da angústia. Ao despertar, o ser humano torna-se um sábio: sabe que é loucura absolutizar o relativo e relativizar o absoluto; sabe que somos buscadores inatos de horizontes eternos, e que as realidades humanas só oferecem marcos estreitos que oprimem nossas ânsias de transcendências, e assim nasce a angústia; sabe que a criatura termina “aí” e não tem escapatória, por isso seus desejos derradeiros permanecem sempre frustrados; e sabe principalmente que, no final das contas, só Deus vale a pena, porque só ele oferece meios para canalizar os impulsos ancestrais e profundos do coração humano.

Francisco despertou na cadeia de Perúsia. Foi lá que o edifício começou a ser planejado. Que edifício? Aquele sonhador tinha detectado, como um sensibilíssimo radar, os sonhos de sua época, e sobre eles e com eles tinha projeta do um mundo moldado com castelos amuralhados, espadas fulgurantes abatendo inimigos: os cavaleiros iam para os campos de batalha sob as bandeiras da honra para alcançar essa sombra fugidia a que chamam glória. Com as pontas das lanças conquistavam os títulos nobiliárquicos, nos braços de gestas heroicas entravam no templo da fama e nas canções dos rapsodos, como os antigos cavaleiros do Rei Artur e os paladinos do grande Imperador Carlos. Numa palavra, todos os caminhos da grandeza passavam pelos campos de batalha. Esse era o mundo de Francisco e se chamava sede de glória, Perseguindo esses fogos-fátuos, nosso sonhador tinha chegado às proximidades da Ponte San Giovanni. A primeira ilusão degenerou na primeira desilusão, e de que calibre! Sonhar com glórias tão altas e dar de cara com tão humilhante derrota, na primeira tentativa, era demais! Era aí mesmo que Deus o esperava. Deus não pode entrar nos castelos levantados sobre dinheiro, poder e glória. Quando tudo dá certo na vida, o ser humano tende insensivelmente a concentrar-se em si mesmo grande desgraça, porque se apodera dele o medo de perder tudo e vive ansioso, sentindo-se infeliz. Para o homem, a desinstalação é justamente a salvação. Por isso, se Deus Pai quer salvar seu filho aninhado e adormecido no leito da glória e do dinheiro, não tem outra saída senão dar-lhe uma boa sacudidela. Quando o mundo naufraga, fica flutuando uma poeira espessa que deixa o filho confuso. Mas, quando o pó assenta, o filho pode abrir os olhos, despertar, ver a realidade clara e sentir-se livre. Foi isso que aconteceu com o filho de Dona Pica. Na planura da Ponte San Giovanni derrocaram-se seus castelos no ar. No primeiro momento, como acontece sempre, o rapaz, envolto em pó, sentiu-se confuso. Mas, quando chegou à cadeia, na medida em que o tempo foi passando e o pó assentando, o filho de Dona Pica, como outro Sigismundo, começou a enxergar claro: tudo é inconsistente como um sonho. Para um jovem sensível e impaciente, era demais permanecer inativo entre os muros de um cárcere, mastigando a erva amarga da derrota. Em um cativeiro há tempo demasiado para pensar. Não há novidades que distraiam. Vive-se apenas, como realidade única e oprimente, a derrota. Por outro lado, nosso rapaz não escapou da psicologia dos cativos. O cativo, como o preso político, vive entre a incerteza e o temor: não sabe quantos meses ou anos vai ficar encarcerado, nem qual vai ser o curso dos aconteci mentos políticos, nem o que vai ser de seu futuro. Só sabe que esse futuro vai depender de um poder arbitrário ou de uma camarilha hostil de senhores feudais. No entanto, nosso jovem estava bem informado de que os cativeiros e as derrotas são o alimento mais comum na vida das aventuras cavaleirescas. Mas era bem diferente experimentá-lo na própria carne e pela primeira vez, principalmente para ele que não estava curtido pelos golpes da vida e era, além disso, de natureza tão sensível!

Trecho do livro "O Irmão de Assis", de Inágcio de Larrañaga.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ORAÇÃO DE COMBATE E TRANSFERÊNCIA DE TODO MAL

Início: Reze: “Chagas abertas coração ferido, o sangue de Cristo está entre nós e o perigo.” (3x). Reze a oração de São Bento: “A Cruz Sagrada seja a minha luz não seja o dragão o meu guia. Retira-te satanás nunca me aconselhes coisas vãs, é mau o que me ofereces, bebe tu mesmo o teu veneno.” Reze a pequena oração de exorcismo de Santo Antônio: “Eis a cruz de Cristo! Fugi forças inimigas! Venceu o Leão da tribo de Judá, A raiz de Davi! Aleluia!” Proclame com fé e autoridade: “O Senhor te confunda satã, confunda-te o Senhor.” (Zacarias 3,2) Reze: Ave Maria cheia de Graça... Oração: Eu (diga seu nome completo), neste momento, coloco-me na presença de meu Senhor, Rei e Salvador Jesus Cristo, sob os cuidados e a intercessão de minha Mãe Santíssima e Mãe do meu Senhor, a Virgem Maria, debaixo da poderosa proteção de São Miguel Arcanjo e do meu Anjo da Guarda, para combater contra todas as forças do mal, ações, ataques, contaminações, armadilhas, en

Oração para se libertar da Dependência Afetiva

Senhor Jesus Cristo, reconheço que preciso de ajuda. Cedi ao apelo de minhas carências e agora sou prisioneiro desse relacionamento. Sinto-me dependente da atenção, presença e carinho dessa pessoa. Senhor, não encontro forças em mim mesmo para me libertar da influência dessas tentações. A toda hora esses pensamentos e sentimentos de paixão e desejo me invadem. Não consigo me livrar deles, pois o meu coração não me obedece. A tentação me venceu. E confesso a minha culpa por ter cedido às suas insinuações me deixando envolver. Mas, neste momento, eu me agarro com todas as minhas forças ao poder de Tua Santa Cruz. Jesus, eu suplico que o Senhor ordene a todas as forças espirituais malignas que me amarram e atormentam por meio desses sentimentos para que se afastem de mim juntamente com todas as suas tentações. Senhor Jesus, a partir de agora eu não quero mais me deixar arrastar por esses espíritos de impotência, de apego, de escravidão sentimental, de devassidão, de adultério, de louc

Explicando a pintura "A volta do Filho Pródigo" de Rambrandt

"A volta do filho pródigo" de Rambrandt. O quadro, pintado dois anos antes da morte do artista, além da visualização de uma das mais bonitas e expressivas parábolas de Jesus, expressa a trajetória da vida do Rembrandt. É a reflexão sobre a condição existencial na maturidade da sua vida. O quadro "O retorno do Filho Pródigo" se encontra hoje no famoso museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia. Conhecemos a parábola descrita por evangelista São Lucas (15, 11-32), o evangelista da misericórdia. Vamos conhecer como o pintor apresenta cada uma das pessoas envolvidas na história e o seu estado interior. As três figuras principais e outras três, em tamanho natural, formam uma unidade e a distância, para que se possa contemplar cada uma delas e interagir. O quadro apresenta a escuridão e a luz que ilumina as três figuras principais.   Voltar a casa. Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: pai, dá-me a parte da herança que me cabe. E o pa