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Bento XVI: Como realmente um sacerdote deve ser


Queridos irmãos e irmãs:

Neste período pascal, que nos conduz a Pentecostes quero dedicar algumas reflexões ao tema do ministério ordenado, detendo-me na realidade fecunda da configuração do sacerdote com Cristo Cabeça, no exercício dos tria munera que recebe, isto é, das três funções de ensinar, santificar e governar.

Para compreender o que significa agir in persona Christi Capitis - na pessoa de Cristo Cabeça - por parte do sacerdote, e para entender também que consequências derivam da tarefa de representar o Senhor, especialmente no exercício destas três funções, é necessário esclarecer antes de mais nada o que se entende por "representação".

O sacerdote representa Cristo. O que quer dizer "representar" alguém? No senso comum, quer dizer, geralmente, receber uma delegação de uma pessoa para estar presente em seu lugar, falar e agir em seu lugar, porque aquele que é representado está ausente da ação concreta. Nós nos perguntamos: o sacerdote representa o Senhor da mesma forma? A resposta é não, porque, na Igreja, Cristo nunca está ausente, a Igreja é seu corpo vivo e a Cabeça da Igreja é Ele, presente e operante nela. Cristo nunca está ausente; pelo contrário, está presente de uma forma totalmente livre dos limites do espaço e do tempo, graças ao acontecimento da Ressurreição, que contemplamos de modo especial neste tempo da Páscoa.

Portanto, o sacerdote que age in persona Christi Capitis e em representação do Senhor; não age nunca em nome de um ausente, mas na própria pessoa de Cristo Ressuscitado, que se faz presente com sua ação realmente eficaz. Age realmente e realiza o que o sacerdote não poderia fazer: a consagração do vinho e do pão, para que sejam realmente presença do Senhor, a absolvição dos pecados. O Senhor faz presente sua própria ação na pessoa que realiza estes gestos.

Estas três funções do sacerdote - que a Tradição identificou nas diferentes palavras de missão do Senhor: ensinar, santificar e governar -, em sua distinção e profunda unidade, são uma especificação desta representação eficaz. Estas são, na verdade, as três ações do Cristo ressuscitado, o mesmo que hoje, na Igreja e no mundo, ensina e, assim, cria fé, reúne seu povo, cria presença da verdade e constrói realmente a comunhão da Igreja universal, santifica e guia.

A primeira funão sobre a qual eu gostaria de falar hoje é o munus docendi, isto é, a tarefa de ensinar. Hoje, em plena emergência educativa, o munus docendi da Igreja, exercido concretamente por meio do ministério de cada sacerdote, é particularmente importante. Vivemos em uma grande confusão sobre as escolhas fundamentais da nossa vida e os interrogantes sobre o que é o mundo, de onde vem, para onde vamos, o que temos que fazer para realizar o bem, como temos que viver, quais são os valores realmente pertinentes. Em relação a tudo isso, existem muitas filosofias opostas, que nascem e desaparecem, criando uma confusão sobre as decisões fundamentais, como viver, porque já não sabemos, normalmente, de que e para que fomos criados e para onde vamos. Nesta situação, realiza-se a palavra do Senhor, que teve compaixão da multidão porque era como ovelhas sem pastor (cf. Mc 6, 34).

O Senhor havia feito esta constatação quando viu milhares de pessoas que o seguiam no deserto, porque, na diversidade das correntes daquela época, já não sabiam qual era o verdadeiro sentido da Escritura, o que Deus dizia. O Senhor, movido pela compaixão, interpretou a Palavra de Deus, Ele mesmo é a Palavra de Deus, e deu, assim, uma orientação. Esta é a função in persona Christi do sacerdote: fazer presente, na confusão e na desorientação da nossa época, a luz da Palavra de Deus, a luz que é o próprio Cristo neste nosso mundo.

Portanto, o sacerdote não ensina ideias próprias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou da qual gosta; o sacerdote não fala a partir de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criar admiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias, invenções próprias, mas, na confusão de todas as ideologias, o sacerdote ensina em nome de Cristo presente, propõe a verdade, que é o próprio Cristo, sua Palavra, seu modo de viver e ir adiante. Para o sacerdote, vale o que Cristo disse de si mesmo: "Minha doutrina não é minha" (Jo 7, 16), isto é, Cristo não propõe ele mesmo, mas, como Filho, é a voz, a Palavra do Pai. Também o sacerdote deve dizer sempre e agir assim: "Minha doutrina não é minha, não propago minhas ideias ou aquilo de que eu gosto, mas sou a boca e o coração de Cristo e faço presente esta doutrina única e comum, que criou a Igreja universal e que cria vida eterna".

Este fato, ou seja, que o sacerdote não inventa, não cria nem proclama ideias pessoais porque a doutrina que ele anuncia não é sua, mas de Cristo, não significa, por outro lado, que ele seja neutro, quase como um porta-voz que lê um texto do qual talvez não se apropria. Também neste caso vale o modelo de Cristo, que disse: Eu não venho por mim mesmo e não vivo por mim mesmo, mas venho do Pai e vivo pelo Pai. Por isso, nesta profunda identificação, a doutrina de Cristo é a do Pai e Ele mesmo é um com o Pai.

O sacerdote que anuncia a Palavra de Cristo, a fé da Igreja e não suas próprias ideias, deve dizer também: Eu não vivo de mim e para mim, mas vivo com Cristo e de Cristo e, por isso, o que Cristo nos disse se converte na minha palavra, ainda que não seja minha.

A vida do sacerdote deve identificar-se com Cristo e, dessa forma, a palavra não própria se converte, no entanto, em uma palavra profundamente pessoal. Santo Agostinho, sobre este tema, falando dos sacerdotes, disse: "E nós, o que somos? Ministros (de Cristo), seus servidores; porque o que vos distribuímos não é nosso, mas tirado da sua despensa. E também nós vivemos dela, porque somos servos como vós" (Discurso 229/E, 4).

O ensinamento que o sacerdote está chamado a oferecer - as verdades da fé - deve ser interiorizado e vivido em um intenso caminho espiritual e pessoal, para que, assim, o sacerdote realmente entre em uma profunda e interior comunhão com o próprio Cristo. O sacerdote crê, acolhe e tenta viver, antes de tudo como seu, o que o Senhor ensinou e a Igreja transmitiu, nesse percorrido de ensimesmamento com o próprio ministério, do qual São João Maria Vianney é uma testemunha exemplar (cf. Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal). "Unidos na mesma caridade - afirma novamente Santo Agostinho -, todos somos ouvintes d'Aquele que é para nós no céu o único Mestre" (Enarr. in Ps. 131, 1, 7).

A voz do sacerdote, por conseguinte, frequentemente poderia parecer "voz que grita no deserto" (Mc 1, 3), mas precisamente nisso consiste sua força profética: no não ser nunca homologado nem homologável a uma cultura ou mentalidade dominante, mas em mostrar a única novidade capaz de operar uma renovação autêntica e profunda do homem, isto é, que Cristo é o Vivente, é o Deus próximo que age na vida e para a vida do mundo e nos oferece a verdade, a maneira de viver.

Na preparação atenta da pregação festiva, sem excluir a ferial, no esforço de formação catequética, nas escolas, nas instituições acadêmicas e, de maneira especial, por meio desse livro não escrito que é sua própria vida, o sacerdote é sempre "docente", ele ensina. Mas não com a presunção de quem impõe verdades próprias, e sim com a humilde e alegre certeza de quem encontrou a Verdade, foi agarrado e transformado por ela e, por isso, não pode senão anunciá-la. O sacerdócio, de fato, não pode ser escolhido por ninguém, não é uma forma de alcançar a segurança na vida, de conquistar uma posição social: ninguém pode oferecê-lo nem buscá-lo por si só. O sacerdócio é uma resposta ao chamado do Senhor, à sua vontade, para chegar a ser anunciadores não de uma verdade pessoal, mas da Sua verdade.

Queridos irmãos sacerdotes, o povo cristão pede para escutar dos nossos ensinamentos a genuína doutrina eclesial, para, por meio dela, poder renovar o encontro com Cristo que dá a alegria, a paz, a salvação. A Sagrada Escritura, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica são, a este respeito, pontos de referência imprescindíveis no exercício do munus docendi, tão essencial para a conversão, para o caminho de fé e para a salvação dos homens. "Ordenação sacerdotal significa ser imersos (...) na Verdade" (Homilia para a Missa Crismal, 9 de abril de 2009), essa Verdade que não é simplesmente um conceito ou um conjunto de ideias a serem transmitidas e assimiladas, mas é a Pessoa de Cristo, com a qual, pela qual e na qual se vive e, assim, necessariamente, nasce também a atualidade e a compreensibilidade do anúncio. Somente esta consciência de uma Verdade feita Pessoa na Encarnação do Filho justifica o mandato missionário: "Ide pelo mundo inteiro e proclamai a Boa Nova a toda a criação" (Mc16, 15). Somente sendo a Verdade, está destinado a toda criatura, não é uma imposição de algo, mas a abertura do coração àquilo por que foi criado.

Queridos irmãos e irmãs: o Senhor confiou aos sacerdotes uma grande tarefa: ser anunciadores da sua Palavra, da Verdade que salva; ser sua voz no mundo, para levar aquilo que contribui para o verdadeiro bem das almas e para o autêntico caminho de fé (cf. 1 Cor 6, 12).

Que São João Maria Vianney sirva de exemplo para todos os sacerdotes. Ele era homem de grande sabedoria e força heroica em resistir às pressões culturais e sociais da sua época, para poder levar as almas a Deus: simplicidade, fidelidade e imediatismo eram as características essenciais da sua pregação, da transparência da sua fé e da sua santidade. O povo cristão era assim edificado e, como acontece com os autênticos mestres de todos os tempos, reconhecia nele a luz da Verdade; reconhecia nele, em definitivo, o que sempre deveria ser reconhecido em um sacerdote: a voz do Bom Pastor.

Meditação do Papa Bento XVI sobre o ministério sacerdotal
Quarta-feira, 14 de abril de 2010

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